O Devónico da Zona Centro-Ibérica
O Devónico está representado em diversos locais da Zona Centro-Ibérica, onde se verifica a existência das três séries: Inferior, Médio e Superior. Destas, a Inferior é de longe a melhor representada e está presente em todos os locais com afloramentos devónicos, embora a Média esteja também presente.
Os afloramentos devónicos mais a norte, encontram-se na região de Trás-os-Montes com sucessões metassedimentares atribuídas ao Devónico Superior (Dias et. al., 2013). Está representado na região do Marão, pela Formação de Santos que é posteriormente cortada pelo carreamento de Canadelo, considerado a base dos terrenos parautóctones (Pereira, 1987). Esta Fm. não apresenta qualquer vestígio macrofóssil. A sua datação, só foi possivel com recursos a conodontes (Quiroga 1980, in Dias et al., 2013).
Proximo da cidade do Porto, os afloramentos devónicos surgem numa faixa outrora contínua, entre o rio Cávado e o rio Douro, mais propriamente, sob a forma de retalhos, em São Félix de Laúndos, Maganha, Telheiras, Valongo, Mindões e Varzielas (Teixeira & Gonçalves, 1980). Na região de Laúndos-Rates, o Devónico (Pragiano a Emsiano) é muito fossilifero, encontrando-se por exemplo trilobites, bivalves, braquiopodes, pterópodes, briozoários, ostracodes, entre outros. Na mesma região, Priem (1911), identificou várias espécies de peixes. Estes fósseis foram mais tarde revistos por Burrow (2017). Já na região entre Valongo e Vizela, estão presentes litologias fossilíferas (com trilobites, braquiopodes, bivalves e outros) datadas do Lochkoviano e Pragiano a Emsiano (Teixeira & Gonçalves, 1980).
Na região de Valongo, ocorre uma transição gradual entre o Silúrico e o Devónico de granulometria mais grosseira (Dias et al., 2013). Aqui encontram-se duas Formações: Fm. de Telheiras e a Fm. de Sobrado que ocorrem numa faixa estreita e descontínua, deformada pela Zona de Cisalhamento do Sulco Carbonífero Dúrico- Beirão (Dias et. al., 2013).
Mais a sul em Dornes, está presente um afloramento nas margens do rio Zêzere, parcialmente submerso pela albufeira de Castelo de Bode, que é constituído por litologias xisto-argilo-areníticas, xisto-grauvacóides e por calcários dolomíticos (Teixeira & Gonçalves, 1980). Perdigão (1979), descreveu várias espécies de braquiópodes e de bivalves. Gourvennec et. al. (2008), descrevem também uma série de formas bentónicas: várias espécies de braquiópodes, corais tabulados, crinoides e ainda mioesporos associados. Os palinomorfos tais como acritarcas, entre outros grupos e faunas devónicas, tais como braquiópodes, gastrópodes, briozoários, bivalves e possíveis tentaculites foram estudados por Gourvennec et. al. (2010), na mesma região.
Na região de Portalegre, encontra-se a mais extensa mancha de Devónico do país, onde predominam litotipos de xisto argiloso, arenitos quartzíticos e calcários dolomíticos, pertencentes ao núcleo de um sinclinal que se prolonga para a vizinha Espanha (Teixeira & Gonçalves, 1980). Segundo os mesmos autores, estas litologias são muito ricas em fósseis, em especial na zona de São Julião. Os autores referem ainda que, nesta sucessão, estão representados os andares referentes ao Lochkoviano e Praguiano. O Devónico Médio em Portugal, foi reconhecido pela primeira vez por Perdigão (1967), nas imediações de Portalegre, mais propriamente nos arredores do Monte Troviscal, em S. Julião.
Principais afloramentos na Zona Centro Ibérica:
Figura 1: Mapa tectno-estratigráfico de Portugal mostrando as localizações dos afloramentos devónicos estudados em relação às zonas de cisalhamento (destacadas a vermelho e a roxo) que controlaram a sua deformação. Adaptado de Ferreira (2000).
Este afloramento, situa-se na unidade D1a na Carta Geológica 9A e revela-se pouco fossilífero e com carácter siltitico (sem qualquer superfície de xistosidade ou foliação). É composto por siltitos pelíticos de tons claros, entre esbranquiçados cinza a tons de azuis, intercalados com níveis listados de óxidos sem fósseis (atitude da estratificação: 135 N, subvertical a vertical). Está presente alguma moscovite.
Foi designada inicialmente por Nery Delgado como “Grés superiores” (S2V) do Silúrico, embora pudesse pertencer ao Devónico Inferior (Teixeira et. al., 1965). Mais tarde foi considerada do Devónico Inferior (Lochkoviano) por Carrígton da Costa (1931); Teixeira et. al. (1965); Teixeira & Thadeu (1967) e Perdigão, (1977). Priem (1911) descreveu, nesta região elementos faunísticos, correspondentes a exemplares de artrópodes, braquiópodes e peixes que foram posteriormente analisados por Burrow (2017),que reinterpretou de forma correta alguns deles.
Figura 2: Aspecto do afloramento 1 de Rates, contendo siltitos com moscovite.
Este afloramento corresponde á unidade D1b na Carta Geológica 9-A Póvoa de Varzim. Litologicamente é constituída por xistos argilosos, amarelos, muito fossilíferos. Carrington da Costa (1931), descreve ambos os membros desta região, onde regista um elevado número de espécies para esta unidade, correspondente a exemplares de trilobites, bivalves, braquiópodes, briozoários, corais e crinoides. Mais alguns elementos faunísticos (Tentaculites, corais e diversos briozoários) são acrescentados por Teixeira et. al. (1965), assim como Perdigão (1977) e Andrade (1945).
Figura 4: Aspecto do afloramento 2 de Rates, contendo xistos argilosos amarelos.
Os afloramentos aqui representados, constituem uma extensão dos afloramentos de Laúndos e Guindões (norte de Valongo) e contactam de forma gradual com o Silúrico, correspondendo às últimas litologias de fácies marinhas depositadas na bacia, que iria mais tarde originar o Anticlinal de Valongo (e.g. Couto, 1993; Ferraz, 2004; Couto et. al., 2014). O Lochkoviano e Praguiano a Emsiano estão representados nesta região (Lemos de Sousa, 1984). Existem duas formações: Fm. de Telheiras e Fm. de Ervedosa (Pereira, 1992 in Dias et. al., 2013). A Fm. de Telheiras aflora no flanco inverso e encontra-se deformada pela Zona de Cisalhamento do Sulco Carbonífero Dúrico-Beirão, sendo constituída por dois Membros: inferior e superior (Dias et. al., 2013). A nordeste do Anticlinal de Valongo, surge a Fm. de Sobrado (Dias et. al., 2013), também conhecida por Grauvaques de Sobrado (Delgado, 1908). A parte inferior desta Fm. tem vindo a ser atribuída ao Silúrico (Pereira et. al., 1992, Oliveira et. al., 2000 in Dias et. al., 2013).
Figura 5: Aspecto do afloramento de São Pedro da Cova, constituido por siltitos finos com niveis oxidados.
As litologias aqui presentes, correspondem a um sinclinal aflorando a norte da aldeia de Dornes (na ponta da península), no corte de estrada Dornes-Vale de Serrão e ainda na Serra da Molhadinha e Serra da Faísca (Gouvernnec, 2008). O Devónico está por isso presente em ambas as margens da referida albufeira, fazendo fronteira a SE com um sistema de sinclinais de idade ordovícica a silúrica, da região de Amêndoa (Teixeira & Thadeu, 1967). A geologia deste local foi estudada desde Delgado (1908). Esta sucessão apresenta uma orientação N-S e está dividida em duas Formações: Fm. da Serra do Lução e Fm. de Dornes (Cooper, 1980; Cooper et. al., 2000). A idade da Fm. da Serra do Lução, foi considerada por Cooper (1980) e Cooper et al. (2000), como sendo do Ludlow e Pridoli (Silúrico Superior) a Praguiano Inferior (Devónico Inferior), com base em microfósseis do Ludlow e Pridoli e a ocorrência de microfósseis do Praguiano na Fm. de Dornes. Espécimes colhidos por Oliveira et. al. (2000) na parte superior da referida formação, permitiram datar esta unidade como pertencendo ao Lochkoviano. A segunda é composta por 200 m de calcários intercalados com arenitos e lamitos. Cooper et al. (2000), dataram esta formação do Pragiano a partir de braquiópodes colhidos na Serra da Molhadinha (na parte média e superior da Formação), sendo que Oliveira et. al. (2000), confirmou esta idade com a descoberta de crinoides e braquiópodes. Perdigão (1979), registou aqui uma grande variedade de espécies de braquiópodes. Surgem também ostracodes, sendo esta uma fauna semelhante à de S. Félix de Laúndos e de Portalegre (Teixeira & Gonçalves, 1980). Gouvernnec et al. (2008), descrevem aqui uma série de formas bentónicas: várias espécies de braquiópodes, o coral tabulado Ligulodictyum ligulatum, crinoides e ainda mioesporos associados. Gourvennec et al. (2010), estudaram também palinomorfos, tais como acritarcas, entre outros grupos, e faunas devónicas tais como braquiópodes, gastrópodes, briozoários, bivalves e tentaculites.
Figura 6: Aspecto de um dos afloramentos de Dornes, constituido por arenitos ferruginosos.
O Devónico nesta região, está presente no núcleo do Anticlinal de Portalegre, uma estrutura Varisca localizada no bordo meridional da Zona Centro-Ibérica (centro de Portugal), que se prolonga para território espanhol (Gouvernnec et al., 2010) e apresenta litologias do Ordovícico ao Carbonífero (Schemm-Gregory & Piçarra, 2013). O Devónico aqui, é constituido pelo Lochkoviano a Givetiano com possibilidade da existência de Frasniano (Schemm-Gregory & Piçarra, 2013), no entanto a descoberta do coral tabulado Kerforneidictyum nestes níveis indica o Emsiano (ou mais recente) pois é neste andar que este género surge pela primeira vez (comunicação pessoal com Yves Plusquellec). As litologias são muito fossilíferas, contendo braquiópodes, trilobites, bivalves, crinoides, corais entre outros (Delgado, 1908; Pruvost, 1914; Perdigão, 1967; Mellado & Thadeu, 1947; Gouvernnec et. al., 2010) que surgem sobretudo em xistos argilosos, variáveis de local para local.
Figura 7: Aspecto de um dos afloramentos de Portalegre, constituido por siltitos finos.